História
Os fornos de cal de Pataias constituem o maior núcleo de fornos de cal em Portugal. Atualmente encontramos 2 grandes núcleos: o núcleo dos Olhos de Água / Ratoinha, com 12 fornos, dispersos numa área de 3 hectares, e o núcleo da Brejoeira, com 19 fornos, dispersos numa área de 4 hectares.
Encontramos a primeira referência numa escritura de 1729: “uma vinha em Pataias, por cima do forno de cal”. Por volta de 1860 existiam 10 industriais de cal que exploravam 16 fornos. O ano de 1909 é marcado pela chegada a Pataias de Manuel Serrano, que constrói dois fornos junto da linha férrea de Pataias para exportação da cal. Manuel constrói uma linha decauville que ligava os seus fornos à pedreira. O número de fornos em laboração atinge o auge na década de 40. No entanto, será na década de 60, com recurso a novos meios tecnológicos, que a indústria de cal atinge o auge da produção, contabilizando-se cerca de 30. Em 1981, laboravam 10 fornos. O último encerrou em 1995.
O complexo industrial incluía o barracão, que servia para resguardo do combustível, os depósitos para o armazenamento cal, e pequenos anexos que serviam de arrecadação. O forno é semelhante a um poço com um aterro ao seu redor e um portal na parte frontal. O aterro possuía uma dupla finalidade: suportar a pressão exercida pela pedra durante a cozedura e permitir o acesso ao topo do forno.
Relativamente ao ciclo de produção, a pedra era extraída das pedreiras e transportada para junto do forno. De seguida, eram colocadas dentro do forno, formando uma abóbada. Iniciava-se, então, a cozedura com dois forneiros a alimentarem continuamente o forno. O número de dias necessários para a cozedura variava entre os 5 e os 7. Por fim, era feita a desenforna, armazenamento e comercialização.
A qualidade da pedra de Pataias é excecional, apresentando uma percentagem de cal superior aos 55%. Para além das poucas impurezas encontradas, o teor de Carbonato de Cálcio é superior a 99%.Pontos de Interesse: Fornos de cal, barracões, depósitos para armazenamento da cal e pedreiras
FICHA TÉCNICA DO PERCURSO
- Nome do Percurso: Rota dos Fornos de cal de Pataias
- Localização: Concelho: Alcobaça | Freguesia: União de Freguesias de Pataias e Martingança
- Tipo de circuito: Circular
- Ponto de Partida e Chegada: Fornos de Joaquim Vieira Grilo (entroncamento da rua da Cal com a rua da Estação)
- Sentido aconselhado: Sentido dos ponteiros do relógio
- Coordenadas GPS: Latitude: 39.66403828| Longitude: -8.98733139
- Extensão aproximada: 3,4 km (ida e volta)
- Duração aproximada: 1:30 hora
- Altitude: Máxima: 121m | Mínima: 89m
- Grau de dificuldade: Fácil
- Época Aconselhada: Todo o ano. Em dias chuvosos e escuros não é aconselhável a realização do percurso.
- Material Aconselhado: Mapa, bússola, binóculos, máquina fotográfica, boné, água, óculos de sol, caderno de notas, agasalho para vento, roupa e calçado confortáveis.
- Promotores do Percurso: União de Freguesias de Pataias e Martingança e Câmara Municipal de Alcobaça
Interpretação do Conjunto de Fornos Artesanais de Cal de Pataias
Caracterização dos fornos de cal
O Forno
O forno é o centro da atividade fabril e o edifício mais importante. Os primeiros fornos eram construídos na própria pedreira. A pedra era extraída, formando-se uma cavidade, construindo-se uma parede frontal com portal. Algumas fornadas depois, ao interior do forno ficava demasiado amplo. Desta forma, surgem os fornos de cal de Pataias, construídos de raiz e seguindo uma determinada arquitetura, que pouco difere de outros fornos nacionais do tipo caldeira. O aterro em redor do forno possui uma dupla finalidade: suster a pressão exercida pela pedra nas primeiras horas de cozedura e como acesso ao topo do forno. Por cima do portal existem vigas de madeira, mais tarde em cimento, que serviam para suster a parede frontal durante as primeiras horas de laboração.
A altura interior dos fornos de cal de Pataias varia entre os 4,10m e o os 6,70m. O diâmetro da base varia entre os 3,60m e os 4,90m e o diâmetro superior entre os 3,10m e os 4,90m. Já a altura do portal oscila entre 1,65m e os 2,40m.
Relativamente aos materiais, verificamos que os mais antigos são construídos apenas com pedra e barro. No século XX começam a ser fabricados tijolos de argila, vulgarmente conhecidos como adobe em barro. A maior parte dos fornos atualmente existentes encontram-se revestidos com este tipo de tijolo. A partir da década de 70 começou-se a utilizar-se o tijolo refratário.
O Barracão
Nos primórdios da indústria de cal em Pataias não existiam barracões para o resguardo do combustível. Acreditamos que Manuel Serrano, que se estabelece em Pataias em 1909, deverá ter sido o primeiro industrial a construir um barracão
Os barracões eram abertos e encontravam-se localizados, por norma, frente aos fornos. Os mais antigos eram constituídos por pilares cilíndricos, construídos unicamente com pedra e argamassa de cal, por norma com telhado de duas águas, suportado por vigamento em madeira. A partir da década de 70, começou-se a utilizar o metal e a telha de fibrocimento na construção / reconstrução dos barracões. Em 1958 existiam 28 barracões, reduzindo para 24 em 1965 e 16 em 1989.
O depósito
Nos primórdios da indústria de cal em Pataias não existiam depósitos para o armazenamento de cal. Manuel Serrano deverá ter sido o pioneiro na construção do depósito de cal em Pataias. Até início dos 40 existiam apenas dois depósitos. Foi a partir de meados da década de 40 que começaram a surgir novos depósitos. Em 1958 existiam 14 em Pataias-Gare, aumentando para 18 em 1965. O depósito era constituído no seu interior por várias divisórias individuais (tulhas) para o armazenamento da cal.
Anexo
Associado ainda ao complexo fabril, encontramos alguns anexos que serviam de arrecadação de materiais ou de apoio aos forneiros.
História
A escassa documentação existente não nos permite saber a data de instalação dos primeiros fornos. Contudo, podemos afirmar que o crescimento abrupto do número de fornos de Cal em Pataias é um fenómeno do século XIX.
A referência mais antiga que encontramos data de 1721 numa escritura que refere uma ”vinha e um forno de cal e olival que está onde chamam ‘os Amores’”. Em 1729, encontramos outra escritura, na qual se lê: “uma terra logo por baixo do forno de Pataias”. Conclui-se que nesta altura existiam, pelos menos, dois fornos.
Em 1861 existiam 10 industriais que exploravam 16 fornos de cal. Vinte anos depois (1881), existiam já 15 industriais que exploravam mais de duas dezenas de fornos. Será apenas em 1899 que encontramos os primeiros alvarás. Nesse ano foram devidamente legalizados 11 fornos de cal. Todavia, grande parte dos fornos mantinham-se na clandestinidade. Nesse ano o número de fornos seria aproximadamente de 25.
O ano de 1909 é marcado pela chegada de Manuel Serrano de Figueiredo, que marcaria a indústria de cal em Pataias.
No início da década de 1940 existiam cerca de 41 fornos ativos. Se somarmos os vestígios de outros fornos já desativados, atingia-se cerca de 50 fornos. A partir de 1945, a Cibra, fundada no ano anterior, compraria vários terrenos para as instalações fabris, habitações e pedreiras. Até 1963 adquiria mais de uma dezena de fornos.
A partir de 1958 é possível saber exatamente o número de fornos em laboração. Nesse ano existiam 39 fornos ativos, descendo para 31 em 1965. Em 1981 existiam 10 fornos ativos e em 1990 apenas 3, dois de Joaquim Vieira Grilo e um de António Vieira Vaz. O último forno encerrou atividade em 1995.
A actividade industrial dos Serranos de Figueiredo em Pataias
O ano de 1909 é marcado pela chegada a Pataias de Manuel Serrano de Figueiredo, que constrói dois fornos junto da linha férrea em Pataias. Em novembro do mesmo ano é celebrado um contrato com a Companhia de Caminhos de Ferro para a construção de um ramal ferroviário, paralelo à linha de comboio, para exportar a cal. Ao contrário dos restantes industriais, que construíam os seus fornos junto das pedreiras, Manuel constrói uma linha decauville que ligava os seus fornos à pedreira. Estes factos provam que Manuel Serrano foi um visionário industrial sem precedentes e o mais importante industrial na freguesia no início do século XX, fazendo chegar a cal de Pataias a todo o País. Depois da sua morte em 1918, seriam os seus irmãos, Luís, Joaquim e Francisco Serrano de Figueiredo que continuariam o negócio da indústria de cal sob o nome social de “Serranos, lda.”
Com o falecimento de Joaquim Serrano de Figueiredo, em 1931, a sociedade foi dissolvida em 1932, continuando apenas Luís com o negócio até 1945, ano em que todas as propriedades dos Serranos são vendidas à recentemente fundada Cibra (Cimenteira).
A linha decauville
Embora a primeira documentação sobre a linha apenas surja em 1920, sabemos que o pioneirismo da linha se deveu a Manuel Serrano. Na escritura de dissolução da sociedade “Serranos, lda”, surge a designação de ““uma faixa de terreno com 805 metros de comprimento e 2,5 metros de largura, na qual está assente uma linha férrea decauville”. O transporte da pedra na linha era feito através de uma vagoneta manual. A linha é vendida à Cibra em 1945, que aproveita parte do traçado para fazer circular pequenas locomotivas com vagonetas que transportavam a pedra para a fábrica. A linha seria desativada e desmantelada na década de 60.
As Pedreiras
As Pedreiras fizeram parte do ciclo de produção de cal. Não foi apenas uma pedreira que existiu, mas sim várias: as pedreiras particulares e a pedreira pública, esta última conhecida como pedreira da mata, localizada a poente da atual lagoa.
A crescente exploração da pedreira da mata, principalmente com destino às fábricas da Marinha Grande, conduziu a Junta de Freguesia a tomar medidas. Assim, a partir de 1 de junho de 1944, começou a cobrar 3$00 por metro cúbico da pedra extraída com destino às fábricas de vidro da Marinha Grande e 1$50 por metro cúbico de pedra extraída para os fornos de cal, obras e fábricas na freguesia.
A fundação da Cibra em 1944 veio transformar radicalmente Pataias-Gare. A aquisição de terrenos iniciou a 21 de fevereiro de 1945 e, no dia seguinte, adquiriu a primeira pedreira a José Florêncio Ribeiro. A exploração da pedreira por parte da Cibra iniciou em 1949.
A Cibra adquiriu, em 1961, 143,45 hectares da Alva de Pataias, explorando as duas pedreiras em simultâneo até 1995. Em 1964, já a pedreira dos Olhos de Água atingia os limites com a pedreira da Mata. Depois de alguns contactos com a Junta de Freguesia, a Cibra passou, a partir de 1965, a explorar, em simultâneo com os industriais de cal, na Pedreira da Mata.
Em 1995 a pedreira dos olhos de água e a pedreira da mata são completamente abandonadas pela Cibra, mantendo apenas, em exploração, a pedreira da Alva. No inicio da década de 90, a zona da pedreira pública e do núcleo dos fornos da Brejoeira, já desativados, tinham-se tornado aterros de resíduos. Com o encerramento do último forno de cal em 1995, a pedreira da mata foi abandonada. Em 2005 a pedreira da mata foi adquirida pela Secil. A atual zona vedada ao público, comporta, desta forma, a pedreira da Mata (a poente) e a pedreira dos olhos de água (a nascente), existindo, ainda hoje, os marcos de divisão entre as duas pedreiras.
Exploração de pedra
A exploração da pedra era realizada com recurso à explosão com a utilização da pólvora. Era feito um furo na pedra, denominado ‘tiro’, preenchendo-se o interior com a pólvora, o rastilho e por fim pó de pedra. No fim da explosão a pedra era ‘marreada’, ou seja, preparada e colocada em monte, pronta a ser transportada.
Durante a exploração era normal encontrar areia, barro e outros resíduos inúteis à fabricação de cal. Esses resíduos eram transportados, por norma, por mulheres com gamelas à cabeça para fora do cabouco. Para além da utilização da pedra para a fabricação de cal, a pedra também era vendida para a construção de habitações, construção de poços, fábricas de vidro e calcetamento de ruas.
Empedre
O empedre iniciava-se com a colocação das pedras, com cerca de 25 a 30 centímetros, no peal (faixa de tijolo em redor do forno). As pedras que iniciavam no peal e formavam a abóbada eram designadas por armadeiras. À medida que as pedras eram colocadas umas por cima das outras, iam avançando para o interior até se juntarem os dois lados formando uma cúpula a cerca de 3,5m a 4 metros de altura.
Quando o empedre atingia cerca de 1,5 metros de altura, começava-se a colocar mato na caldeira de forma a elevar o piso servindo de andaime. Esta técnica era denominada por “desquente”. Quando se atingia o topo do portal, a pedra era descarregado pelo topo. No topo do forno ficaria a pedra mais pequena que formava o capelo.
No fim do empedre e do capelo, o portal inferior era tapado com reboco de pedra e cal. Na década de 30, um empedre demoraria entre 4 a 5 dias. Já na década de 60, não demorava mais de 2 dias.
Cozedura
A cozedura iniciava-se, por norma, à segunda-feira. O ‘desquente’ era o primeiro combustível a ser consumido. Os forneiros combinavam entre si o horário de trabalho. O primeiro forneiro trabalhava 12 horas, saindo às 8 da noite, enquanto o outro trabalhava 18 horas, acabando a jorna às duas da manhã. Os horários de descanso eram feitos por um velador ou jornaleiro. A caldeira do forno tinha de estar continuamente a ser alimentada.
Um dos problemas era a acumulação das cinzas. Assim, aproximadamente de duas em duas horas, o forneiro apoiava no ombro um tronco de madeira de pinho, vulgarmente designado por ‘varredoiro’, inserindo a extremidade dentro da caldeira do forno, remexendo durante cerca de meia hora.
A cozedura demorava, por norma, 5 a 7 dias. Já no final da década de 70, recorre-se a ventiladores, vulgarmente designados por sopradores, que emitiam ar para dentro da caldeira, permitindo, desta forma, o aceleramento da combustão e a redução da cozedura para pouco mais de 4 dias.
Nas primeiras 48 horas de cozedura, a pedra ganha volume e o fumo é branco. Nos restantes dias, a pedra reduz consideravelmente de volume e peso e o fumo é preto. Sabia-se que a pedra já estava cozida quando o capelo estava cerca de 1 metro abaixo do topo do forno e praticamente já não havia fumo. No início do século XX, o número de fornadas não deverá ter ultrapassado as 4 ou 5, realizadas principalmente no verão, atingindo, na década de 60, as 17 fornadas.
Desenforna
Quando a cal já estava cozida, a caldeira deixava de ser alimentada e a boca era tapada. Por norma, deixava-se arrefecer durante 48 horas. No auge da produção, nos anos 60 e 70, chegava-se a tapar a boca de manhã e de tarde já se desenfornava.
A desenforna demorava, por norma, dois ou três dias. Se fosse inverno ou as condições meteorológicas fossem adversas, eram colocadas chapas de zinco no topo do forno formando um telhado de duas águas enquanto se desenfornava. Para se iniciar a desenforna, a parede que tapava o portal era partida. Enquanto se desenfornava, a cal era transportada para os depósitos ou vendida à boca do forno.
Nos depósitos, a cal era colocada dentro da tulha e, no fim de cheia, a entrada era totalmente tapada com duas fiadas de tábuas de madeira que se inseriam em duas ranhuras existentes nos pilares laterais. O espaço entre essas duas tábuas era preenchido com pó de cal de forma a impedir a circulação de ar.